A série de livros best-seller dos anos de 2010, Fallen, ganhou uma nova adaptação para o streaming da Globoplay.
Lembro que em 2010 uma capa gótica fez com que eu, que não gostava de ler (a não ser os gibis da Turma da Mônica), me interessasse por uma fantasia romântica, mal sabia que aquela história mudaria meu interesse por livros e que mais de dez anos depois eu ainda seria uma leitora assídua. Fallen fez com que me tornasse leitora, então preciso admitir antes de começar essa resenha: eu sei que o livro não é perfeito, mas tenho um apego emocional devido ao seu impacto na minha vida (então sim, eu vou passar pano para algumas partes do livro).
Devido o seu sucesso na época de livros de fantasias, Fallen teve seus direitos comprados e, depois de muitos anos de espera, se tornou um filme em 2016, mas o resultado foi muito diferente do esperado, com uma fraca bilheteria e baixa aceitação do público e da crítica. A possibilidade de ganhar uma continuação era baixíssima e os fãs não imaginavam que a história ganharia uma nova chance, até que em 2022 recebemos uma surpreendente notícia de que Fallen ganharia uma nova adaptação, produzida pela GloboPlay. E não é que a série foi lançada dois anos depois?
Ok, mas qual é a história de Fallen? E por que os livros ficaram tão famosos no passado?
Fallen é uma fantasia romântica de anjos que conta a história de Lucinda, que é mandada a um reformatório após a morte do namorado em um misterioso acidente, envolvendo sombras que apenas ela vê desde criança. No reformatório ela encontra Daniel, um garoto cheio de segredos e que Luce acredita já ter o conhecido antes.
A sua ambientação gótica no primeiro livro, o mistério envolvendo uma maldição, a temática de anjos e o romance com o reencontro dos personagens em todas suas vidas passadas fez com que Fallen ganhasse destaque em uma época que adaptações de romances sobrenaturais estavam em alta, como o mais famoso na época: Crepúsculo.
E como está essa nova adaptação?
É importante ressaltar que antes do lançamento, com a divulgação da sinopse e do trailer, foi informado que seria uma série inspirada nos livros da Lauren Kate, não podendo esperar fidelidade com o livro. E como tinha essa informação antes de começar a assistir a série, sabia que precisaria desvincular com o livro e estar aberta a diferente proposta que viria nessa nova produção. Estava um pouco receosa do que aconteceria nessa novidade, pois a maioria das produções que se nomeiam como “inspiradas a um livro” que já assisti me decepcionei, mas foi pelo fato de não ter expectativas que me surpreendi com a história.
Como uma recontagem de Fallen, a primeira temporada é uma introdução ao mundo fantasioso trabalhado pela Lauren Kate, com uma abordagem diferente - eliminando o cenário gótico e o foco nos seres místicos -, criando uma ambientação de mistério sobre o que acontece em Sword & Cross (a instituição que Luce é levada após ser considerada culpada pelo crime que ela não cometeu), pois todos ali tem alterações de memórias, não lembram do passado e quem eles são, além de que, por mais que o romance esteja presente na história, o foco da produção é esse mistério por trás da instituição, o porquê de Luce e Daniel sentirem que já se conhecem e da ligação que um sente pelo outro e também o empoderamento de Luce.
O que me surpreendeu nessa temporada foi que ela trouxe elementos dos livros seguintes, já adicionando informações sobre o universo que estamos sendo inseridos. O que me fez entender que o objetivo dessa temporada seria uma introdução do que podemos esperar nas temporadas seguintes, tendo mais contexto do universo em comparação ao primeiro livro. Por mais que eu tenha achado muito interessante essa antecipação, me questiono como o público que não leu os livros (até mesmo, quem leu apenas o primeiro volume) irá receber esses mistérios, porque a primeira temporada não nos deu resposta sobre nada, apenas uma confusão do que está acontecendo, como se estivéssemos perdidos tanto quanto os personagens. O que pode ser uma abordagem interessante para quem já leu, porque sabe o que virá, mas também pode ser arriscado porque terminaram a temporada no escuro, apenas com algumas informações jogadas, sem sentido para aqueles que não leram.
Créditos: Globoplay |
Comparativos entre a série e o livro
Caso você não tenha lido os livros, saiba que a partir de agora terá spoiler sobre o livro e da nova série da Globoplay.
Por ser uma série inspirada, as histórias são bem diferentes e não temos cenas e diálogos marcantes dos livros. Se você é leitor, a minha dica é assistir a série sabendo que será distinta da história que você conhece, sem querer fazer comparativos, pois as propostas são diferentes, apesar de que a base da história seja a mesma.
É preciso entender que o processo de construção de um livro e de uma série (ou outra arte cênica) tem suas próprias características, visto que os livros trabalham com as palavras, diálogos e possibilidade de estar dentro da mente dos personagens, além da individualidade de cada leitor, pois cada um imaginará de uma forma sobre a mesma história; já a série precisa focar em ações, dado que só conseguimos ver suas convicções por meio das escolhas e atitudes que eles tomam no decorrer da história, além de ter que ser dinâmica e movimentada para cativar o telespectador. Também é preciso ressaltar que o livro lançou em 2009 (2010 no Brasil) e a série é de 2024 (gravada em 2022), os tempos mudaram, as obras que consumimos hoje são diferentes de 2010 e o público jovem também mudou, então eles precisaram adaptar a história para que fosse atrativa ao público jovem de hoje e expandi-la para além dos leitores/fãs.
Do ponto de vista comercial, poderia não ser interessante a ambientação gótica e, por mais que eu tenha carinho com as cenas dos livros, o tratamento inicial do Daniel com a Luce e as atitudes da Luce sempre voltada ao Daniel, como se apenas ele importasse, pode estar ultrapassada ao compararmos sobre o que esperávamos ver nas protagonistas de fantasia com romance naquela época e no que esperamos hoje em dia.
Um destaque na série é a Luce (Jessica Alexander) que está muito mais empoderada e com mais atitude para se descobrir. O que me incomodava nos livros é que a Luce fazia o que o Daniel falava e sempre pensava no seu par romântico, demorando para tomar atitudes de acordo consigo mesma, e era até irritante que o tempo todo, no meio do caos do mundo, ela só se importava com o Daniel. Na série a Luce está focada nela, em entender o que está acontecendo em Sword & Cross e está mais envolvida com os outros personagens do que no livro, aqui podemos vê-la criando uma relação não apenas com o Daniel, mas com os outros personagens.
Sobre os outros personagens (não irei debater aqui sobre as aparências físicas, pois, com o passar do tempo, parei de me importar nas adaptações sobre o físico e me interessei mais pela atuação e construção do personagem que envolveria a narrativa): A personalidade de vários personagens mudaram para se encaixar com a nova proposta da série, já que nenhum deles se lembram que são anjos e de seus passados, porque a memória deles foram tiradas e como eles teriam a mesma personalidade do passado (e da imagem que eles deveriam ter por estar no lado bom ou mau) se eles não sabem quem são?
Apesar de ter estranhado (muito) no começo da série o Daniel (Gijs Bloom) não lembrar da Luce, consegui compreender a razão dele ter esquecido (como disse antes, abracei a nova ideia da série, sem comparar com o livro), porque em um dos livros ele até menciona pra Luce que ele tentava esquecer para parar de sofrer tanto, quando vi a cena que explicou sobre o esquecimento dele eu lembrei dessa conversa do livro (não me recordo em qual livro foi, mas deve ser sido em Paixão ou Apaixonados).
Roland e Molly foram os melhores personagens para mim. Roland (Lawrence Walker) em todos os lugares é incrível, seja nos livros, no filme ou na série, e, para mim, ele foi o personagem que mais manteve a essência igual ao livro. A Molly (Maura Bird) me surpreendeu na série, já que ela ainda tem a sua personalidade briguenta, mas ela está mais inserida do grupo de amigos, além de ter um debate sobre a violência que a mulher sofre sob os homens, que foi um bom acréscimo na história.
Eles mudaram muito a Gabbe (Indeyarna Donaldson-Holness), tornando-a chata nos primeiros episódios e depois a inserindo no grupo, fazendo-a questionar sobre o que estava vivenciando naquela instituição; a Penn (Esme Kingdom) continuou fofa, mas a mudaram e me distanciei um pouco da personagem. Foi adicionado uma trama relacionada ao pai de Penn que, por enquanto, não agregou para a história e espero que possam evoluir nas temporadas seguintes; o Cam (Timothy Innes) está mais tranquilo e, no decorrer dos episódios, foi perdendo o ar de badboy que movimentava um triangulo amoroso do primeiro livro.
Por fim, a Arriane (Josefine Koenig) foi a personagem que mais mudou na série, tirando o humor (que eu amava) e trabalhando questões mais delicadas psiquiatricamente, por mais que muitas dessas questões fossem mostradas superficialmente no primeiro livro. No começo, estranhei muito essa mudança, mas no decorrer da história entendi as mudanças e espero que nas temporadas seguintes possam retomar o humor da personagem, quando ela voltar com suas memórias.
Ah! A série trouxe personagens que conhecemos no primeiro e nos livros seguintes, além de novos personagens, preciso destacar a Cassie (Laura Majid), que se tornou uma das minhas personagens favorita, foi uma adição na medida certa, pois teve sentido para a história e contribuiu para um mistério até para aqueles que leram os livros.
Apesar das mudanças, um ponto positivo é o novo elenco, que, por mais que seja diferente dos livros, construíram bem os personagens com a nova proposta, além da química não apenas do casal, mas de todo o grupo, eles estão mais em sintonia e agem mais como um grupo de amigos que vão se ajudar na mesma finalidade, mas que foi se formando no decorrer dos episódios.
Outro ponto que percebi é que nessa temporada eles tomaram cuidado em não usar muito CGI para não ficar uma produção com aparência “barata”, então pode ser um dos motivos que eles não mostraram muitos elementos fantasiosos dos anjos e a alteração da forma que a Luce morre (não, ela não morre em chamas, agora ela morre por motivos comuns). A série tem criaturas (os párias) e até parece mais uma ficção cientifica em alguns momentos, devido aos experimentos, como se tivessem pegado alguns elementos de séries de sucesso atuais (como Stranger Things) para tentar aproximar com o novo público.
Por fim, posso dizer que em cenário, personagens e cenas a série está bem diferente dos livros, mas que a base da história criada na série de livros permanece a mesma. Eu entendo as reclamações dos fãs sobre todas essas mudanças, mas volto a dizer que desde o início a série foi dita como inspiração dos livros, não uma adaptação, então se você abaixar a expectativa e não comparar com o livro, a série pode ser boa para maratonar em um fim de semana, porque até para quem leu pode se surpreender, rir com os comentários do Rolland e Cam e se emocionar com as novidades (a cena do Daniel pós morte da Luce me fez chorar, surpreendentemente), além de poder se apaixonar com a história de amor entre Luce e Daniel.